Na segunda-feira (31), logo pela manhã, irei levar o meu filho para uma consulta de avaliação no centro especializado de reabilitação da APAE. Nos períodos da tarde e noite, dedicarei minhas atenções ao trabalho, como sempre o faço desde então.

Na segunda-feira, logo pela manhã, aquele simpático senhorzinho que vende salgados e serve café em frente ao terminal General Osório estará lá, assim como o faz todos os dias, com suas vestimentas brancas e a bicicleta onde carrega as caixas térmicas.

Na segunda-feira, o motorista do ônibus que atende ao bairro será o mesmo de 30 anos, conforme o mesmo tanto se orgulha quando questionado sobre o tempo de trabalho. Vai estar dando ‘bom dia’, cumprimentando e buzinando para seus conhecidos.

Na segunda-feira, as crianças que sobem a ladeira desta rua sempre a pé continuarão assim fazendo para ir até a escola, como acontece todos os dias letivos do ano. Passarão carregando suas mochilas e já aguardando pela volta para a casa.

Na segunda-feira, o pedreiro que tem trabalhado arduamente na construção de uma casa, aqui na esquina debaixo, sem sombra de dúvida chegará no mesmo horário padrão, às seis horas, para martelar, cimentar e rebocar.

Na segunda-feira, os jornais da TV começarão todos no mesmo horário, da mesma forma que os programas matinais e as novelas da tarde. O rádio vai tocar as músicas que lhe pedem e os impressos estamparão a foto do novo presidente do Brasil.

E enquanto a segunda-feira vai passando, o vendedor de salgados, o motorista do ônibus, o pedreiro, eu e até mesmo as crianças terão o mesmo pensamento: “Amanhã é outro dia!”.

Rua Manoel José Lopes Jardim Cerejeira, em Campo Grande

Foi no horário mais quente do domingo eleitoral que a senhora, cujo nome jamais saberei, me indagou sobre a quantidade de pessoas que estavam no colégio do bairro, onde ficava a sessão de votação dela. Vítima da idade já avançada e com muitas dificuldades de locomoção, ela encontrou repouso em uma das raríssimas sombras na rua que leva até o seu destino final.

Naquela altura do tempo já havia cumprido com o meu dever de cidadão e regressava para casa lutando contra as sacolas do mercado que traziam os ingredientes para o almoço de logo mais. Ainda uma quadra antes do citado encontro tinha avistado a idosa parada debaixo do pé de seriguela me fitando, de longe, enquanto dizia várias coisas através do pensamento inelegível.

A rua em pauta é uma chata e egoísta que almeja o título de mais cruel via pública da cidade. É uma ladeira nas suas duas partes (na ida e na volta), íngreme e cansativa. A idosa já havia desfrutado do primeiro trecho, descendo da parte alta e passando pelo córrego que a divide. Agora desafiava a outra metade, sozinha e armada apenas de um guarda-sol.

Ao aproximar, ela logo questionou: – Está cheio o colégio lá em cima? A pobre mulher não escondia o seu semblante de tristeza e abatimento, já praticamente derrotada.

– Quando sai, o colégio já estava vazio e sem grandes filas! – respondi para ela, no intuito de anima-lá para que pudesse continuar com o seu objetivo. E ainda citei: – porque não vai de ônibus? Hoje o passe é livre!

A idosa, no entanto, alegou que havia perdido o coletivo momentos antes de sair de sua casa e que o mesmo só voltaria a passar dentro de uma hora e alguns minutos. Decidiu, então, ir a pé seguindo o ritmo dos seus passos e acreditando na sua força e no espírito juvenil que ainda lhe resta.

No diálogo curto, lancei a oferta de justificar o voto pelo celular, algo mais prático e menos cansativo, mas a resposta dela serviu de ponto final para esta crônica: – eu tenho que ir votar no meu candidato!

Dito isso, nos despedimos e ela continuou a sua luta contra a rua, o Sol e o cansaço para atingir o seu grande objetivo.

A oferta de um sorriso

Publicado: 5 de fevereiro de 2022 em Poemas
Tags:,

Teu sorriso vem para mim desnudo
Instigado pelo orgulho da perfeição.
Ousado, me convida para o pecado
Perverso, me transforma num bobão.
Suplica pelo toque dos meus lábios
Quer descansar em um beijo.
Traz consigo fortes desejos
Faz a pele arrepiar sem ter o frio
Desperta a ansiedade de um virgem.
Inspira a mente de qualquer homem.
É forte, invencível, inesquecível…
…Dominante, autoritário, cruel.
Ofereceu para mim a loucura
Impossível não se deixar hipnotizar.
Refém desta sua belezura,
Eu não tive como recusar!

No meu muro há um passarinho

Publicado: 1 de novembro de 2021 em Poemas
Tags:,

O canarinho fez do meu muro um palco

Faz nele apresentações diárias

Se declara para o pôr-do-sol.

Piu piuuu pipipiuuuuu

O canto ecoa por todo o bairro

Felizes aqueles que sabem escutar.

Quando acaba o café

Publicado: 22 de outubro de 2021 em Poemas
Tags:,
2310833906_32c1192507_z
 
– O café acabou!
Esbravejou a patroa.
– Que merda!
Respondi do outro lado.
 
Na abstinência do vício
A casa entrou no desespero.
– Maldita crise!
Gritei do computador.
 
– Quero o meu preto logo!
Falou a patroa enjoada.
– Não há comigo um puto no bolso!
Retruquei já mal-humorado.
 
E assim ficamos até ao anoitecer.
Chatos, com a pá virada.
Aborrecidos pela carência do pretinho.
Não há dia que comece bem sem uma xícara de café.